Se você ou um familiar foi diagnosticado com Fibrose Cística (FC) e tem uma prescrição médica para o medicamento Trikafta (elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor), você sabe que este tratamento pode ser um divisor de águas na qualidade de vida e sobrevida. No entanto, o alto custo do Trikafta e as negativas de cobertura pelos planos de saúde representam um desafio imenso.
Este artigo foi criado para ser o seu guia definitivo. Você vai entender o porquê da negativa, como a lei e a Justiça brasileira estão ao seu lado e o passo a passo exato para garantir o acesso ao Trikafta pelo seu plano de saúde, sem custos.
1. O Que É o Trikafta e Sua Importância na Fibrose Cística
A Fibrose Cística (FC) é uma doença genética e rara que afeta principalmente os pulmões, o pâncreas e o sistema digestivo. Ela é causada por uma mutação no gene CFTR (regulador de condutância transmembrana da fibrose cística).
O Trikafta é um medicamento modulador do CFTR. Ele age diretamente na causa da doença em pacientes que possuem pelo menos uma cópia da mutação F508del. Ao melhorar a função da proteína CFTR, o Trikafta é capaz de:
- Melhorar significativamente a função pulmonar (VFE1).
- Reduzir a frequência de exacerbações e infecções pulmonares.
- Melhorar o estado nutricional e a qualidade de vida.
Por ser um tratamento de ação direta e transformadora, ele é considerado um medicamento essencial e insubstituível para os pacientes elegíveis.
2. O Trikafta Está no Rol da ANS? A Negativa do Plano de Saúde e o Contexto Legal
A primeira barreira que você enfrenta é a negativa do plano de saúde, geralmente justificada pelo fato de o Trikafta não estar incluído no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
A Verdade sobre o Rol da ANS e a ANVISA
Fato Importante: O Trikafta possui registro na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Este é o principal requisito para que qualquer medicamento possa ser comercializado e, mais importante, é o primeiro critério para que sua cobertura seja obrigatória na via judicial.
O Rol da ANS é Taxativo, Mas Não Absoluto (ADI 7265)
Apesar do Trikafta não estar listado no Rol, a Justiça brasileira já pacificou o entendimento de que a ausência no Rol não é um motivo legal para a negativa de cobertura, especialmente para medicamentos oncológicos ou de alto custo essenciais à vida.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 7265 (atualização 2025), fixou a tese do Rol Taxativo Mitigado. Isso significa que o plano é obrigado a fornecer o medicamento fora do Rol se cumprir os seguintes requisitos cumulativos:
- Prescrição por profissional habilitado (seu médico).
- Registro na ANVISA (o Trikafta possui).
- Inexistência de negativa expressa da ANS ou pendência de análise no processo de atualização do rol (PAR).
- Ausência de alternativa terapêutica adequada no Rol para a condição clínica do paciente.
- Comprovação de eficácia e segurança com base em evidências científicas de alto nível.
Como o Trikafta é um tratamento específico e sem equivalente direto para quem possui a mutação elegível, o seu caso se enquadra perfeitamente nas exceções da ADI 7265, tornando a negativa do plano abusiva e ilegal.
3. A Jurisprudência do TJ-SP: Caso Real de Sucesso
A sua melhor aliada na luta pelo Trikafta é a jurisprudência, que são as decisões favoráveis já tomadas pelos tribunais. Elas mostram que os juízes protegem o direito à saúde e à vida acima das cláusulas contratuais ou da ausência do medicamento no rol da ANS.
Veja um exemplo de decisão favorável do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que obriga o plano de saúde a fornecer o medicamento:
TJ-SP – Apelação Cível 10265766520228260576 São José do Rio Preto
Jurisprudência • Acórdão • publicado em 18/01/2024
Ementa: VOTO DO RELATOR EMENTA – PLANO DE SAÚDE – OBRIGAÇÃO DE FAZER – Custeio do medicamento Trikafta à autora (substituído por aquele de nome Trixacar, no curso da lide) – Decreto de procedência – Inconformismo da autora – Insurgência voltada à necessidade de majoração da multa diária e fixação da honorária com fulcro no § 2º do art. 85 do CPC – Parcial acolhimento – Majoração das astreintes indevida, eis que a substituição do medicamento no curso do processo, ocorreu mediante concordância do profissional que assiste à autora – VERBA HONORÁRIA: Não obstante o quanto decidido pelo C. STJ em sede de recursos repetitivos Tema 1.076), tendo em vista o abreviamento da lide, a fixação dos honorários com base no elevadíssimo valor atribuído à causa, acarretaria condenação desproporcional – Precedentes desta Câmara, sob já a ótica da temática repetitiva – Correto o arbitramento por equidade, no caso concreto, devendo, no entanto, ser majorado o respectivo valor – Sentença reformada – Recurso parcialmente provido.
Como Esta Jurisprudência Ajuda Você
Esta decisão é crucial e reforça três pontos essenciais:
- Obrigatoriedade de Custeio: O tribunal confirmou a obrigação do plano de saúde de custear o tratamento, seja o Trikafta ou seu substituto terapêutico equivalente (Trixacar), desde que haja a concordância do médico assistente do paciente.
- Prioridade do Paciente: O foco do juiz é garantir o acesso ao medicamento, sendo a ação de Obrigação de Fazer o caminho correto para você exigir o tratamento.
- Proteção Urgente: O acórdão trata do tema de multa diária (astreintes), que são penalidades impostas ao plano para forçá-lo a cumprir a ordem judicial rapidamente. Isso é a garantia de que você não terá seu tratamento interrompido ou adiado por negligência do plano.
Essa decisão serve como um precedente forte para o seu caso. Ela demonstra que, ao buscar a via judicial com um pedido de urgência (liminar), você tem grande chance de obter uma decisão favorável, obrigando o plano a fornecer o Trikafta.
4. O Caminho Para Conseguir a Cobertura do Trikafta (Ação Judicial)
Após a negativa formal ou tácita (silêncio) do plano de saúde, a única via rápida e segura para você garantir o seu tratamento é a ação judicial com pedido de liminar.
Passo a Passo Detalhado para Você:
Passo 1: Reúna a Documentação Essencial
Você deve ter em mãos a documentação completa. Sem ela, a ação não pode ser ajuizada com sucesso:
- Relatório Médico Detalhado (O Mais Importante): Deve ser escrito pelo seu médico, contendo:
- Diagnóstico completo da Fibrose Cística com CID-10.
- Comprovação da mutação F508del (ou outra elegível para o Trikafta).
- Justificativa técnica detalhada sobre a urgência e a necessidade do Trikafta.
- Declaração expressa de que não há alternativa terapêutica eficaz no Rol da ANS.
- Referência a estudos científicos que comprovem a eficácia e segurança do Trikafta para o seu quadro.
- Negativa do Plano de Saúde: A carta, e-mail ou protocolo formal da recusa. Se o plano demorou mais de 10 dias úteis para responder, a omissão já pode ser considerada negativa.
- Documentos Pessoais: RG, CPF, comprovante de residência e carteirinha do plano de saúde.
- Comprovante de Pagamento: Últimos boletos do plano.
Passo 2: Procure um Advogado Especialista em Direito da Saúde
Você precisa de um profissional que entenda a complexidade da Fibrose Cística, a legislação de planos de saúde (Lei 9.656/98) e o novo entendimento do STF (ADI 7265). Ele é quem irá:
- Estruturar o Pedido de Liminar: A liminar é o pedido de urgência, que exige que o juiz determine o fornecimento do Trikafta em poucos dias (geralmente 48h a 72h), dada a gravidade da doença.
- Argumentar com Jurisprudência: Utilizar a decisão do TJ-SP e outras semelhantes para fortalecer o seu caso.
- Requerer Astreintes (Multa Diária): O advogado deve solicitar que o juiz fixe uma multa alta por dia de descumprimento, como ocorreu no caso do TJ-SP, garantindo a rapidez na entrega do medicamento.
Passo 3: Acompanhamento e Cumprimento da Liminar
Após a concessão da liminar, o plano é intimado. O advogado acompanhará o cumprimento da ordem, garantindo que o medicamento seja entregue de forma contínua e sem interrupções.
5. Perguntas Frequentes (FAQ) Sobre Trikafta e Planos de Saúde
1. O plano de saúde pode alegar que o medicamento é de uso off-label ou experimental?
Não. Se o medicamento possui registro na ANVISA e tem prescrição médica para o seu caso específico, essa justificativa é considerada abusiva pela Justiça. O Trikafta já é um tratamento consolidado e registrado.
2. Quanto tempo leva para conseguir o Trikafta pela Justiça?
Com a documentação completa e o ajuizamento de uma ação com pedido de liminar, a decisão judicial que obriga o plano a fornecer o medicamento pode ser concedida em um prazo de 48h a 72h.
3. E se o plano alegar que devo tentar um medicamento alternativo primeiro?
Se o seu médico atestar no relatório que o Trikafta é o único tratamento eficaz para o seu quadro (critério da ausência de alternativa terapêutica na ADI 7265), o plano não pode forçar você a tentar tratamentos inferiores ou ineficazes. A escolha terapêutica cabe ao seu médico, não ao plano de saúde.
4. Posso entrar com uma ação mesmo que o meu contrato seja antigo?
Sim. O direito à vida e à saúde prevalece sobre qualquer cláusula contratual. A lei dos planos de saúde e o Código de Defesa do Consumidor se aplicam a todos os contratos vigentes, garantindo o acesso a tratamentos essenciais como o Trikafta.
5. O advogado pode solicitar indenização por danos morais?
Sim. A negativa indevida e a protelação no fornecimento de um medicamento vital, como o Trikafta, causam angústia, sofrimento e risco à saúde do paciente. A jurisprudência, inclusive no caso do TJ-SP, já reconhece o dano moral nesses casos.
6. A Sua Decisão e a Importância da Ação Rápida
Se você está com a prescrição do Trikafta nas mãos e enfrenta a negativa do plano de saúde, você não pode esperar. O tempo é um fator crítico na progressão da Fibrose Cística.
Lembre-se:
- O registro na ANVISA do Trikafta é a sua maior segurança jurídica.
- O entendimento do STF (ADI 7265) obriga o plano a cobrir o tratamento mesmo fora do Rol da ANS, se o seu caso se enquadrar nos requisitos.
- A jurisprudência está favorável a você, reconhecendo a abusividade da negativa e a necessidade de concessão de liminar.
Não aceite a negativa como resposta final. Seu direito ao Trikafta é garantido pela Constituição e pela Justiça.
Se você está enfrentando essa situação, fale com um advogado especialista em direito da saúde para garantir seus direitos e sua tranquilidade, por meio de uma ação judicial com pedido de liminar para assegurar a cobertura do medicamento pelo seu plano de saúde.
Gabriel Bergamo, advogado especialista em direito da saúde, SUS e Planos de Saúde.



